Biografia
Hélio Oiticica (Rio de Janeiro RJ 1937 - idem 1980). Artista performático, pintor e escultor. Inicia, com o irmão César Oiticica, estudos de pintura e desenho com Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ, em 1954. Nesse ano, escreve seu primeiro texto sobre artes plásticas; a partir daí o registro escrito de reflexões sobre arte e sua produção torna-se um hábito. Participa do Grupo Frente em 1955 e 1956 e, em 1959, passa a integrar o Grupo Neoconcreto. Abandona os trabalhos bidimensionais e cria relevos espaciais, bólides, capas, estandartes, tendas e penetráveis. Em 1964, começa a fazer as chamadas Manifestações Ambientais. Na abertura da mostra Opinião 65, no MAM/RJ, protesta quando seus amigos integrantes da escola de samba Mangueira são impedidos de entrar, e é expulso do museu. Realiza, então, uma manifestação coletiva em frente ao museu, na qual os Parangolés são vestidos pelos amigos sambistas. Participa das mostras Opinião 66 e Nova Objetividade Brasileira, apresentando, nesta última, a manifestação ambiental Tropicália. Em 1968, realiza no Aterro do Flamengo a manifestação coletiva Apocalipopótese, da qual fazem parte seus Parangolés e os Ovos, de Lygia Pape. Em 1969, realiza na Whitechapel Gallery, em Londres, o que chama deWhitechapel Experience, apresentando o projeto Éden. Vive em Nova York na maior parte da década de 1970, período no qual é bolsista da Fundação Guggenheim e participa da mostra Information, no Museum of Modern Art - MoMA. Retorna ao Brasil em 1978. Após seu falecimento, é criado, em 1981, no Rio de Janeiro o Projeto Hélio Oiticica, destinado a preservar, analisar e divulgar sua obra, dirigido por Lygia Pape, Luciano Figueiredo e Waly Salomão. Entre 1992 e 1997, o Projeto HO realiza grande mostra retrospectiva, que é apresentada nas cidades de Roterdã, Paris, Barcelona, Lisboa, Mineápolis e Rio de Janeiro. Em 1996, a Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro funda o Centro de Artes Hélio Oiticica, para abrigar todo o acervo do artista e colocá-lo à disposição do público. Em 2009 um incêndio na residência de César Oiticica, destrói parte do acervo de Hélio Oiticica.
Hélio Oiticica (Rio de Janeiro RJ 1937 - idem 1980). Artista performático, pintor e escultor. Inicia, com o irmão César Oiticica, estudos de pintura e desenho com Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ, em 1954. Nesse ano, escreve seu primeiro texto sobre artes plásticas; a partir daí o registro escrito de reflexões sobre arte e sua produção torna-se um hábito. Participa do Grupo Frente em 1955 e 1956 e, em 1959, passa a integrar o Grupo Neoconcreto. Abandona os trabalhos bidimensionais e cria relevos espaciais, bólides, capas, estandartes, tendas e penetráveis. Em 1964, começa a fazer as chamadas Manifestações Ambientais. Na abertura da mostra Opinião 65, no MAM/RJ, protesta quando seus amigos integrantes da escola de samba Mangueira são impedidos de entrar, e é expulso do museu. Realiza, então, uma manifestação coletiva em frente ao museu, na qual os Parangolés são vestidos pelos amigos sambistas. Participa das mostras Opinião 66 e Nova Objetividade Brasileira, apresentando, nesta última, a manifestação ambiental Tropicália. Em 1968, realiza no Aterro do Flamengo a manifestação coletiva Apocalipopótese, da qual fazem parte seus Parangolés e os Ovos, de Lygia Pape. Em 1969, realiza na Whitechapel Gallery, em Londres, o que chama deWhitechapel Experience, apresentando o projeto Éden. Vive em Nova York na maior parte da década de 1970, período no qual é bolsista da Fundação Guggenheim e participa da mostra Information, no Museum of Modern Art - MoMA. Retorna ao Brasil em 1978. Após seu falecimento, é criado, em 1981, no Rio de Janeiro o Projeto Hélio Oiticica, destinado a preservar, analisar e divulgar sua obra, dirigido por Lygia Pape, Luciano Figueiredo e Waly Salomão. Entre 1992 e 1997, o Projeto HO realiza grande mostra retrospectiva, que é apresentada nas cidades de Roterdã, Paris, Barcelona, Lisboa, Mineápolis e Rio de Janeiro. Em 1996, a Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro funda o Centro de Artes Hélio Oiticica, para abrigar todo o acervo do artista e colocá-lo à disposição do público. Em 2009 um incêndio na residência de César Oiticica, destrói parte do acervo de Hélio Oiticica.
Comentário Crítico
Hélio Oiticica é um artista cuja produção se destaca pelo caráter experimental e inovador. Seus experimentos, que pressupõem uma ativa participação do público, são, em grande parte, acompanhados de elaborações teóricas, comumente com a presença de textos, comentários e poemas. Pode-se, de acordo com o crítico Celso Favareto,1 identificar duas fases na obra de Oiticica: uma mais visual, que tem início em 1954 na arte concreta e vai até a formulação dos Bólides, em 1963, e outra sensorial, que segue até 1980.
Hélio Oiticica é um artista cuja produção se destaca pelo caráter experimental e inovador. Seus experimentos, que pressupõem uma ativa participação do público, são, em grande parte, acompanhados de elaborações teóricas, comumente com a presença de textos, comentários e poemas. Pode-se, de acordo com o crítico Celso Favareto,1 identificar duas fases na obra de Oiticica: uma mais visual, que tem início em 1954 na arte concreta e vai até a formulação dos Bólides, em 1963, e outra sensorial, que segue até 1980.
Seu avô José Oiticica, filólogo e anarquista, influencia sua formação. Por opção familiar, não frequenta escolas na infância. Recebe educação formal a partir de 1947, quando seu pai, o fotógrafo e docente da Faculdade de Medicina e do Museu Nacional da Universidade do Brasil, José Oiticica Filho, ganha bolsa da Fundação Guggenheim e a família se transfere para Washington D.C.
Ao voltar para o Brasil, Hélio Oiticica inicia, em 1954, estudos de pintura com Ivan Serpa, noMuseu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ. Essas aulas são essenciais porque possibilitam a Oiticica o contato com materiais variados e liberdade de criação. Em 1957, inicia a série de guaches sobre papel denominada, nos anos 1970, Metaesquemas. Segundo Oiticica, essas pinturas geométricas são importantes por já apresentar o conflito entre o espaço pictórico e o espaço extra-pictórico, prenunciando a posterior superação do quadro.
Com as Invenções, de 1959, o artista marca o início da transição da tela para o espaço ambiental, o que ocorre nesse ano com os Bilaterais - chapas monocromáticas pintadas com têmpera ou óleo e suspensas por fios de nylon - e os Relevos Espaciais, suas primeiras obras tridimensionais. Nessa época produz textos sobre seu trabalho, sobre a arte construtiva e as experiências de Lygia Clark. Embora não tenha participado da 1ª Exposição Neoconcreta nem assinado o Manifesto Neoconcreto, em 1960 participa da 2ª Exposição Neoconcreta no Rio de Janeiro e pensa sua produção em relação à Teoria do Não-Objeto, de Ferreira Gullar.
Em 1960, cria os primeiros Núcleos, também denominados Manifestações Ambientais e Penetráveis, placas de madeira pintadas com cores quentes penduradas no teto por fios de nylon. Neles tanto o deslocamento do espectador quanto a movimentação das placas passam a integrar a experiência. Em continuidade aos projetos, Oiticica constrói, em 1961, a maquete do seu primeiro labirinto, o Projeto Cães de Caça, composto de cincoPenetráveis, o Poema Enterrado, de Ferreira Gullar, e o Teatro Integral, de Reynaldo Jardim. É uma espécie de jardim em escala pública para a vivência coletiva que envolve tanto a relação com a arquitetura quanto com a natureza. A maquete é exposta, no mesmo ano, no MAM/RJ, com texto de Mário Pedrosa, mas a obra nunca chega a ser construída. Até esse período sua obra é primordialmente visual. O espectador está presente nosNúcleos, mas há um desenvolvimento dessa questão com suas primeiras estruturas manuseáveis, os Bólides - recipientes que contêm pigmento - resultado, em 1963, da vontade de dar corpo à cor e acrescentar à experiência visual outros estímulos sensoriais.
No fim da década de 1960 é levado pelos colegas Amilcar de Castro e Jackson Ribeiro a colaborar com a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Envolve-se com a comunidade do Morro da Mangueira e dessa experiência nascem os Parangolés. Trata-se de tendas, estandartes, bandeiras e capas de vestir que fundem elementos como cor, dança, poesia e música e pressupõem uma manifestação cultural coletiva. Posteriormente a noção de Parangolé é ampliada: "Chamarei então Parangolé, de agora em diante, a todos os princípios formulados aqui [...]. Parangolé é a antiarte por excelência; inclusive pretendo estender o sentido de 'apropriação' às coisas do mundo com que deparo nas ruas, terrenos baldios, campos, o mundo ambiente enfim [...]".
Em 1967, as questões levantadas com o Parangolé desembocam nas Manifestações Ambientais com destaque para as obras Tropicália, 1967, Apocalipopótese, 1968, e Éden1969. A Tropicália apresentada na exposição Nova Objetividade Brasileira, no MAM/RJ, é considerada o apogeu de seu programa ambiental - é uma espécie de labirinto sem teto que remete à arquitetura das favelas e em seu interior apresenta um aparelho de TV sempre ligado. Depois que o compositor Caetano Veloso passa a usar o termo tropicáliacomo título de uma de suas canções, ocorrem diversos desdobramentos na música popular brasileira e na cultura que ficam conhecidos como tropicalismo.
O Projeto Éden - composto de Tendas, Bólides e Parangolés como proposições abertas para a participação e vivências individuais e coletivas - é apresentado em Londres em 1969, na Whitechapel Gallery. Considerada sua maior exposição em vida, é organizada pelo crítico inglês Guy Brett e apelidada de Whitechapel Experience. Com essa espécie de utopia de vida em comunidade, surge a proposição Crelazer, ligada à percepção criativa do lazer não repressivo e à valorização do ócio. Em 1970, na exposição Information realizada no Museum of Modern Art - MoMA em Nova York, Oiticica desenvolve a idéia dos Ninhoscomo células em multiplicação ligadas ao crescimento da comunidade. Depois de breve período no Rio de Janeiro, em 1970, ganha bolsa da Fundação Guggenheim e instala-se em Nova York, fazendo de suas residências grandes Ninhos.
Em Nova York, inicia os projetos ambientais chamados de Newyorkaises, entre eles alguns labirintos do programa Subterranean Tropicália Projects. Retoma os Parangolés, propondo seu uso no metrô da cidade, com ênfase não mais no samba, mas no rock. Nos anos 1970, escreve demonstrando sua admiração por astros pop - Jimi Hendrix, Janis Joplin, Yoko Ono, Mick Jagger e os Rolling Stones, entre outros. Insatisfeito com o cinema como espetáculo e a passividade do espectador, elabora Cosmococa - programa in progress. Trata-se de nove blocos, alguns feitos com o cineasta brasileiro Neville d'Almeida e Thomas Valentin, e outros como proposta para amigos, denominados quase-cinema. São basicamente filmes não narrativos, produzidos com base em slides e trilha sonora, projetados em ambientes especialmente criados para eles e com instruções para participação. Em Nova York, o artista inicia alguns filmes em Super-8, como o inacabadoAgripina é Roma Manhattan, entre dezenas de projetos de Penetráveis.
Volta ao Brasil em 1978 e participa de alguns eventos coletivos, como o Mitos Vadios, organizado pelo artista plástico Ivald Granato. No ano seguinte, organiza o acontecimento poético-urbano Caju-Kleemania, proposta para participação coletiva no bairro do Caju, no Rio de Janeiro. Em homenagem a Paul Klee, realiza o contrabólide Devolver a Terra à Terra, que consiste em trazer terra preta de um lugar e colocá-la numa fôrma quadrada sem fundo sobre uma terra de outra coloração. Em 1980, ano de sua morte, propõe o segundo acontecimento poético-urbano Esquenta pr'o Carnaval, no Morro da Mangueira.
Notas
1 FAVARETTO, Celso. A Invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: Edusp, 1992. p. 49.
1 FAVARETTO, Celso. A Invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: Edusp, 1992. p. 49.
2 OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. p. 79.
Críticas
"Arte ambiental é como Oiticica chamou sua arte. Não é com efeito outra coisa. Nela nada é isolado. Não há uma obra que se aprecie em si mesma, como um quadro. O conjunto perceptivo sensorial domina. Nesse conjunto criou o artista uma 'hierarquia de ordens' - relevos, núcleos, bólides (caixas) e capas, estandartes, tendas ('parangolés') - 'todas dirigidas para a criação de um mundo ambiental'. Foi durante iniciação ao samba, que o artista passou da experiência visual, em sua pureza, para uma experiência do tato, do movimento, da fruição sensual dos materiais, em que o corpo inteiro, antes resumido na aristocracia distante do visual, entra como fonte total da sensorialidade. (...) Dir-se-ia que o artista passa às mãos que tateiam e mergulham, por vezes enluvadas, em pó, em carvão, em conchas, a mensagem de rigor, de luxo e exaltação que a visão nos dava. Assim ele deu a volta toda ao círculo da gama sensorial-táctil, motora. A ambiência é de saturação virtual, sensória. O artista se vê agora, pela primeira vez, em face de outra realidade, o mundo da consciência, dos estados de alma, o mundo dos valores. Tudo tem de ser agora enquadrado num comportamento significativo. Com efeito, a pura e crua totalidade sensorial, tão deliberadamente procurada e tão decisivamente importante na arte de Oiticica, é afinal marejada pela transcendência a outro ambiente. Nesse, o artista, máquina sensorial absoluta, baqueia vencido pelo homem, convulsivamente preso nas paixões sujas do ego e na trágica dialética do encontro social. Dá-se, então, a simbiose desse extremo, radical refinamento estético com um extremo radicalismo psíquico, que envolve toda a personalidade. O inconformismo estético, pecado luciferiano, e o inconformismo psíquico social, pecado individual, se fundem. A mediação para essa simbiose de dois inconformismos maniqueístas foi a escola de samba da Mangueira. (...) A beleza, o pecado, a revolta, o amor dão à arte desse rapaz um acento novo na arte brasileira. Não adiantam admoestações morais. Se querem antecedentes, talvez este seja um: Hélio é neto de anarquista". Mário Pedrosa PEDROSA, Mário. Arte ambiental, arte pós-moderna, Hélio Oiticica. In: ______. Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. Organização Aracy Amaral. São Paulo: Perspectiva, 1981. p. 207-208. Texto originalmente publicado em Correio da Manhã, 26 de jun. 1966. "As preocupações cromáticas de seu neoconcretismo foram inicialmente conduzidas para a série dos Núcleos, espaços formados com os planos de cor. Seguiram-se osPenetráveis, com seus trajetos labirínticos sugestivos, a exemplo do Projeto Cães de Caça, advindo depois os Bólides, caixas de madeira pintada ou transparentes revelando pigmentos contidos (que se engavetam), exprimindo uma 'manifestação da cor no espaço'. O Parangolé, capas de vestir que envolvem passistas de uma escola de samba e ele próprio, preludiou Tropicália, apresentada no MAM do Rio em 1967, ambiente constituído com a presença de elementos da flora e da fauna brasileiras". Walter Zanini ZANINI, Walter (Org. ). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles: Fundação Djalma Guimarães, 1983. v. 2, p. 675. "Hélio Oiticica é um dos casos raros na arte brasileira onde o artista elabora teorias, conceitua e pensa a própria obra. Assim o fez desde os anos de aprendizado e desenvolveu uma forma própria como sua poética, ao longo de toda a sua trajetória. Para Oiticica, escrever foi inicialmente um meio de 'fixar' questões essenciais no campo da arte e isto está bem claro em seus primeiros textos, curtos e ainda sob a forma de diário. Oiticica participou ativamente de um dos períodos mais fortes da crítica de arte no Brasil: os anos neoconcretos. A própria produção de obras nesse período demandou, por parte da crítica de arte, uma conceituação inteiramente voltada para as questões novas que as obras apresentavm, disso resultando uma feliz impregnação entre obras e idéias, que instaurou uma nova maneira de ver e sentir a obra de arte. (...) Finda a Experiência Neoconcreta (enquanto movimento), Oiticica, em crescente produção e descobertas, ativa seu potencial teórico que irá visceralmente acompanhar cada obra e invenção. A partir de 1960, teoriza e conceitua a própria obra: se durante o períodoNeoconcreto as obras nomeadas por ele mesmo como Bilaterais e Relevos Espaciaissituavam-se dentro da conceituação e teoria Não Objeto de Ferreira Gullar, a produção seguinte inaugura 'ordens de manifestações ambientais', com a criação de Núcleos ePenetráveis, acompanhados de textos específicos escritos pelo próprio Oiticica. Nomeando cada descoberta e dando-lhe conceituação específica, adquire domínio e controle total sobre sua produção. Intensificando essa prática, vai desenvolvendo-se e refinando-se como teórico e, nessa progressão, escrever passa a ser uma forma a mais em sua expressão, a ponto de obra e texto caminharem juntos a partir de então". Luciano Figueiredo FIGUEIREDO, Luciano. Introdução. In: OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Introdução Luciano Figueiredo; Mário Pedrosa; compilação Luciano Figueiredo; Lygia Pape; Wally Salomão. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. p. 5-6. "A dupla inscrição da atividade de Oiticica desenha um percurso moderno de sentido épico: um esforço deliberado em reativar intuições primárias do suprematismo, do construtivismo, do neoplasticismo e datar os postulados da arte concreta, em direção ao que ele considerava o horizonte das possibilidades abertas pela superação do quadro, da pintura; um impulso de desestetização, às vezes voltado para o desenvolvimento de práticas culturais, que transgridem a normatividade modernista. Nele brilha o imaginário de uma saga: a busca, implacável e apaixonada, de algo que, além da 'arte experimental', se manifesta como o puro 'experimental'; exercício experimental da liberdade, disse Pedrosa. Essa liberdade de programa, que, escandido e radicalizado, libera uma marginalidade nada circunstancial, é conduzida por uma atitude que exige mudança dos meios e da concepção da pintura, da arte: ruptura das concreções artísticas; proposição de 'objetos' em que se imbricam o plástico, o verbal, o musical; deslizamento da arte para o vivencial; proposição de práticas dissensuais. (...) Oiticica encarna a legenda do artista-inventor; aquele que cava no desconhecido, definindo suas próprias regras de criação e categorias de julgamento. Contudo, nele o rigor não dispensa a paixão. A invenção, sua Beatriz, perseguida no evolver de uma experimentação que não se fixa, desdobra a tensão de conceitual e sensível, de construção e desconstrução, de organização e delírio. Fazendo coexistir dualidades, a atividade de Oiticica compõe a 'organização do delírio' *. Excêntrico e visionário, imagina a proeza de conciliar o branco no branco malievitchiano e o desregramento de todos os sentidos, numa linguagem em que 'o conceitual e o fenômeno vivo' se articulam. A marginalidade é vivida; intrínseca ao programa, inscreve o desejo singular e a utopia diferenciadora no movimento de transmutação dos valores, artísticos e sociais". Celso Favaretto * Cf. CAMPOS, Haroldo de. Entrevista à Folha de S. Paulo, 26/07/1987. FAVARETTO, Celso. A invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: Edusp, 1992. p. 15-17. "A produção de Oiticica, a partir dos Parangolés, é nitidamente marcada pela busca para integrar a arte na experiência cotidiana. É a recusa do amedrontamento perante um mito. A proposta da 'Antiarte' consiste em sensibilizar o cotidiano por meio da repotencialização do 'coeficiente' criativo do indivíduo. O artista torna-se agora o motivador da criação, que só se realiza com a participação do 'ator/espectador'. Ele reúne elementos e recursos diversos como cor, estrutura, música, dança, palavra e fotografia, no que define como 'totalidade-obra'. É por meio da experiência com a cor que Oiticica rejeita a dicotomia objeto/sujeito. Funda a obra na própria relação com o sujeito que, ao realizá-la, efetiva uma operação que o leva a si mesmo, a um autoconhecimento. Dos primeiros trabalhos concretos às propostas de Antiarte, a cor é um eixo condutor em sua trajetória, levando-o ao espaço real e a superar a distância entre arte e vida. (...) É o experimentalismo que a produção de Oiticica assume no final da década de 60 que a distingue de sua fase anterior. Seu desenvolvimento até os Núcleos insere-se num processo de desintegração do suporte tradicional da pintura, no qual a cor desempenhava papel principal. Esse processo lidava com conceitos que se relacionavam ainda com discussões da modernidade. Tratava-se de uma concepção espacial homogênea, que implicava virtualidades e uma autonomia do campo artístico. A experiência visual da cor correspondia a uma expectativa que supunha uma situação reconfortante, tranqüilizadora. A participação do 'espectador', restrita à ativação dos Campos de Cor, percorria espaços virtuais previstos pelo jogo estético. Nas séries dosBólides, Penetráveis e Parangolés, Oiticica opera uma ruptura que o situa num cenário de questões mais contemporâneas. A cor passa a relacionar-se com sensações corporais e emoções que supõem muitas vezes uma vivência desestabilizadora, pois questiona certezas e posturas racionais. A esfera estética tradicional é aqui claramente esgarçada, é um espaço descontínuo e heterogêneo, fruto de experiências nem sempre previsíveis, uma vez que os trabalhos são 'receptáculos abertos às significações'. Estetizar o espaço e a experiência cotidiana implica desestetizar o domínio artístico, é por meio dessa busca experimental que Oiticica afirma sua opção incondicional pela liberdade". Viviane Matesco MATESCO, Viviane. Corpo-cor em Hélio Oiticica. In: BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO, 24.Núcleo histórico: antropofagia e histórias de canibalismos. Curadoria Paulo Herkenhoff, Adriano Pedrosa. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo. 1998. p. 386-391. Depoimentos
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