sábado, 19 de junho de 2010
Carlos Bunga
Carlos Bunga (n. 1976, Porto) ganhou visibilidade no contexto artístico português
ao integrar, no final de 2003, a exposição dos “Prémios EDP Novos
Artistas”, no Museu de Serralves. A sua instalação site specific no piso superior
que dá acesso à biblioteca do museu, feita com os materiais a que ainda
hoje recorre para as suas instalações (cartão prensado, fita adesiva e tinta
plástica), não deixou ninguém indiferente, incluindo o júri, que decidiu por
unanimidade atribuir-lhe o prémio em disputa. Um dos membros do júri, a
curadora Marta Kuzma, então a preparar a edição da “Manifesta” que iria
ter lugar alguns meses depois em San Sebastian, acabaria por convidá-lo a
participar nessa importante exposição que, de dois em dois anos, reúne um
numeroso conjunto de artistas europeus emergentes. Visualmente muito
impressiva, com forte poder evocativo, revelando um grande domínio dos
materiais e um apurado sentido da escala, essa instalação acabaria por funcionar
como alavanca para uma carreira internacional que tem vindo desde
então a sedimentar-se.
A instalação que Carlos Bunga realizou para a galeria de exposições da
Culturgest no Porto entronca numa genealogia, iniciada justamente com a
exposição no Museu de Serralves, de instalações site specific de grandes
dimensões no cruzamento entre a arquitectura, a escultura e a pintura.
Interessa ter presente o processo de trabalho constitutivo dessas instalações,
não só porque ele é invariavelmente determinante para o resultado
final, mas também para sublinhar a dinâmica de um processo criativo que,
de projecto para projecto, tem sabido expandir as possibilidades e diversificar
as soluções que se encontravam já inscritas ou latentes na primeira
instalação.
O primeiro momento é sempre o da familiarização do artista com
o espaço onde irá intervir. Só depois Carlos Bunga inicia a construção de
planos e volumes de imediata conotação arquitectónica, utilizando para esse
efeito pranchas de cartão prensado e fita adesiva. O artista vai tomando as
decisões intuitivamente, numa relação física com o espaço e com a própria
instalação à medida que esta vai ganhando forma. Quando a estrutura está
concluída, as suas superfícies exteriores são uniformizadas pela pintura a
branco; as superfícies interiores apostas sobre as paredes do espaço expositivo,
em contrapartida, são pintadas de diversas cores de modo a resultarem
numa composição de planos monocromáticos.
Nas primeiras instalações, o processo culminou na demolição da estrutura
a partir do seu interior. Cortes aplicados em pontos estratégicos permitiam
abater as paredes exteriores e interiores. Na maior parte dos casos,
os destroços amontoados no chão foram removidos, ficando visíveis para o
espectador apenas as superfícies de cartão colocadas no chão, no que antes
era a área interior da estrutura, assim como as superfícies pintadas apostas
sobre as paredes do espaço expositivo. Se a estrutura e o processo da sua
derrocada eram elididos, o que permanecia incorporava e transmitia, no aqui
e agora da experiência de percepção, a memória do que antes ali fora edificado.
Já na instalação realizada para a “Manifesta”, o artista decidiu dar a ver
o enorme volume construído e a sua demolição, numa performance que fez
durante a inauguração. E contrariamente à instalação no Museu de Serralves
e a outras posteriores, optou por deixar os destroços acumulados no chão.
Todas essas instalações sugerem, logo numa primeira aproximação,
essas superfícies que ficam como memória impressa de edifícios demolidos,
marcas do que desapareceu depois de cumprido o seu ciclo de vida,
cicatrizes no espaço urbano em transformação. A escala destes trabalhos,
sempre aferida em função do corpo do espectador, e com tendência para
se tornar monumental, mais reforça essa possível analogia com o espaço
urbano. Dá-se como que um cruzamento insólito entre aquele tipo de referente
e ecos de certa pintura modernista e construtivista. Mas na realidade,
ao artista sempre interessaram, antes de mais e em última instância, a ideia
arquetípica de casa, a actividade de construção como metáfora da actividade
humana, noções como fragilidade, devir e transformação, desenvolvidas
quer de um ponto de vista material, quer enquanto evocação poética da
passagem do tempo e do destino das coisas. Não por acaso, na instalação
recente feita para o Museu de San Diego – tal como na que agora realizou
para a Culturgest – já não há qualquer operação de desconstrução. Em San
Diego, uma enorme construção arquitectónica, perfeitamente integrada
num longo corredor do museu, funcionava, ela própria, como espaço de
transição e passagem por onde o espectador podia circular.
Há, no processo de feitura destas instalações, uma atenção permanente
à escala e à morfologia do espaço expositivo. No confronto, já não com a
arquitectura neutra do “cubo branco”, como nas situações anteriores, mas
com um espaço amplo e de estrutura cruciforme caracterizado por uma arquitectura exuberante e profusamente ornamentada, Carlos Bunga constrói
uma instalação que assume a condição de “envolvimento” – e quer a
instalação na Galeria Elba Benítez quer a do Museu de San Diego apontavam
já para esse género (o environment) que tanto apela à fruição colectiva.
Carlos Bunga propõe ao espectador uma experiência do lugar, de um lugar
inventado, à medida que o percorre e descobre as suas sinuosidades e as
superfícies intensamente pictóricas que o revestem e segmentam.
Esta exposição contempla também vários trabalhos inéditos datados
de 2002: maquetas, feitas igualmente com cartão prensado, fita adesiva e
tinta plástica, que podemos entender retrospectivamente como esboços ou
estudos que antecipam as construções de várias das suas instalações; e três
vídeos de curta duração que registam acções muito simples, de envolvente
sentido poético, e onde se encontram já formuladas algumas das principais
questões que as instalações iriam mais tarde potenciar – a memória do que
existiu através do que ficou, a evocação do tempo que passa e do processo
inelutável de transformação e desaparecimento das coisas, a relação entre
espaço exterior e espaço interior, ou a analogia pictórica com essas paredes
degradadas que pontuam o espaço urbano e que, numa primeira fase pelo
menos, serviram como referente às instalações do artista.
Fonte ----> http://www.culturgest.pt/docs/carlos_bunga.pdf
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