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quinta-feira, 24 de junho de 2010

Antonio Dias



Antônio Dias nasceu em Campina Grande (PB) em 1944. As circunstâncias da vida nordestina, rigorosa e incerta, fizeram dele e de sua família um grupo de nômades, pois os primeiros anos de sua vida se passaram vagando de uma cidade para outra, no sertão alagoano, na orla marítima e também nos Estados de Alagoas e Pernambuco.

CRÍTICAS

"A diversidade dos trabalhos de Antonio Dias, seja na pintura, na escultura ou na utilização do disco ou do videoteipe, situa-se num espaço onde o artista não pode mais se conformar com regras preestabelecidas. É na experiência da modernidade que, com astúcia, sua obra aparece. (...) Neste novo espaço, onde todos os gatos são pardos, o processo de produção do trabalho torna-se importante ponto de referência. A dispersão e diversificação orientadas por uma coerência poética mantêm o caráter assistemático das diversas intervenções e produções. Essa tem sido uma das marcas dos trabalhos de Antonio Dias. Quando nos aproximamos de uma de suas realizações, necessitamos de um certo estrabismo: um olho no que está exposto, outro no problema formulado. (...) Se certos artistas resolveram prolongar o gesto da tradição, isto é, a repetição, Dias reclamou e praticou de modo radical o direito da ruptura. Isto sem os subterfúgios e atalhos fáceis das mudanças de comportamento, mas com a transferência de uma ética baseada nas razões do seu próprio trabalho. (...) Muitos de seus trabalhos, na sua temática, condensam todo o esqueleto que sustenta o essencial da produção de nossa época".

Paulo Sérgio Duarte

DUARTE, Paulo Sérgio. A astúcia de permanecer sempre novo. Arte Hoje, Rio de Janeiro: Rio Gráfica e Editora, v. 1, n. 4, p. 31, out. 1977.

"A impossibilidade da Obra, a possibilidade da arte - esta contradição governa a operação de Antonio Dias a um ponto tal que, mimetizando o filosófo, poderíamos denominá-la um Astúcia da Arte. O raciocínio do artista atravessa o gesto criado inaugural para seguir o percurso problemático da obra no mundo. O resultado, este sim, vai constituir a obra de arte. Ela será afinal a soma, ou antes, o resíduo de todas as mediações: negadas as intenções, violadas as formas, decifrados e distorcidos os conteúdos, só aí a obra de arte aparece no sentido pleno do termo. E desse modo ela se apresenta como o oposto do desvelar puro e metafísico da Idéia: o que o trabalho traz é uma carga magnética de encontros e conflitos, construções e destruições, decisões e indecisões. (...)
E, a meu ver, foi exatamente a pressão para repotencializar o projeto de emancipação moderno que compeliu o artista a buscar matérias espessas, avessas e resistentes à tradição moderna. Somente o ato singular e 'arbitrário', ininteligível à démarche da ciência, de resgatar o momento da pré-história e da natureza, somente uma investigação 'improdutiva' dessa ordem, conseguiria manter a arte contemporânea no registro do Atual, contra os vários arcaísmos em moda, os renitentes obscurantismos sempre à espreita. (...)
E o prevalecimento final, em meio a tantas nuances expressivas, de uma certa ordem gráfica, antipictórica, reitera a astúcia do trabalho. É mais uma prova de sua alergia às identificações e empatias imediatas. Com toda a eventual explosão do imaginário, cores e manchas desempenham aqui um papel discreto, desempenham a função de sinais entre procedimentos que visam sobretudo articulações conceituais. De fato, seriam, digamos, funcionalmente viscerais, funcionamente caóticas. A carga literária dos signos, por outro lado, vem negada pela sua visualidade obscura e críptica que escapa assim às seguidas tentativas de nomeação.
A superfície saturada e heterogênea, com as marcas promíscuas das 'cavernas' e da 'pop', exibe a condição excessivamente histórica do trabalho. E ainda a sua resolução de abrigar e reinvestir todas as memórias, erosões e cicatrizes da modernidade. Esses fragmentos históricos seriam os elementos da narrativa contemporânea, racional e convulsiva, de Antonio Dias. No limite entre o combinatório e o aleatório, essa narrativa acompanha de certo modo o raciocínio altamente complexo e abstrato do mundo atual, sua lógica implacável e indiscriminada. Mas o modo de individuação da obra é a antítese do processo de produção técnico. Neste a série subsume inteiramente o objeto e lhe confere uma estrita identidade funcional. A serialidade 'aberta' de Antonio Dias, ao contrário, coloca um dilema para a existência individual de cada obra e para a coeência do todo. A verdade parece estar sempre onde não a procuramos - ela flui entre a presença irônica e esquiva das obras e tampouco se deixa captar como um esquema ideal a priori. A verdade está nesse movimento, nessa diferença, entre a presença da obra e sua inteligência conceitual. Nessa rede de nexos, ao mesmo tempo rigorosos e equívocos, a única verdade é o dilema da verdade".

Ronaldo Brito

BRITO, Ronaldo. Antonio Dias. Rio de Janeiro : Grafit, 1985. n. p.

"Seu ingresso no circuito artístico começou cedo. Com apenas 20 anos realiza sua segunda exposição individual no Rio de Janeiro, apresentada pelo crítico francês Pierre Restany. Em seguida, ganha o prêmio de pintura da Bienal de Paris. Dias pode ser definido como artista multi-mídia: dos anos 60 até hoje já fez vídeo, fotografia, instalação, história em quadrinhos, trabalhos sonoros, livros de artista, super-8, artes gráficas. . . Em início de carreira, contou com a proteção de Corneille, do Grupo Cobra - uma postura que passa a adotar quando se trata de apresentar 'novos talentos' a marchands (sendo Leonilson o caso mais conhecido). (...)
Na verdade, Dias se notabilizou com a série de papéis produzida no Nepal - fruto de um trabalho que durou cinco meses, praticamente na selva, com vinte e cinco operários de quatro tribos diferentes, investigando formatos diferentes e materias inusitados, como o chá, o barro, etc. Ele conta que, na aldeia, enquanto um papel redondo era simplesmente chamado de 'galô' (significando círculo), vários desses papéis reunidos era reverenciados como o nome de 'Niranjanijakhar' (traduzindo: céu, infinito; buda, enfim). Assim, por acaso, Dias descobre que havia materializado um sentimento religioso através da intensidade do vécu naquele território. Não basta ser um viajante que coleciona postais. A lição apreendida através do 'Niranjanijakhar' é que a história da obra de Antonio Dias, mesmo que realize uma incursão pelo mundo, é sempre a história do próprio Antonio Dias, sujeito visceralmente comprometido com sua experiência.
Preocupado em disciplinar as referências autobiográficas, Dias encerra, em seu processo de criação, uma química carregada de ambigüidades. Aqui, 'revolução', 'pai' e 'violência' são temas movidos por um motor íntimo, mas que transcendem o pulsão catártica: 'Não quero ser didático porque não quero ceder a ninguém meu percentual humanóide. Minha pintura preserva um certo hermetismo em que o segredo deve permanecer em segredo'. Pois escrever sobre arte implica justamente em atravessar a aparência do quadro. Enquanto o olhar que é lançado sobre a obra pertence ao registro do espectador, o registro sobre o mundo reveste-se de um voyeurismo todo particular. O mecanismo desse olhar-voyer contém a carga hermética que nenhuma literatura consegue reconstituir".

Lisette Lagnado

LAGNADO. Lisette. Antonio Dias/Discurso Amoroso. In: Galeria/Revista de Arte, 15 São Paulo 1989. p. 71-72.

"Talento precoce, soubera, após desenvolver primeiro uma pintura de evocações de Klee, afinidades com Tàpies e o abstracionismo lírico, deixar essa orientação. A partir de 1963, mudou o direcionamento de sua poética optando por fazer uma arte autobiográfica. Sua produção é de mosaicista, de fotomontagens, reunindo um imaginário de terrores, destruições, de anatomia e de sexo. A iniciação para esse novo rumo foi através do desenho, o que torna explicável a permanência de valores gráficos de divisão de espaços e das formas fragmentadas em seus alvéolos, ou macromosaicos, observáveis em Fumaça do Prisioneiro.
Contrariamente às linhas do expressionismo, o artista não se atara à compulsividade na operação do fazer artístico; através do meio gráfico, mais frio, ele clarifica seu discurso anterior. Fazia, entretanto, concessões ao jorro subjetivo e compacto das imagens, mantendo-as amalgamadas, mas não confusas, perfeitamente identificáveis na sua fragmentação. Na insistência da visualização desses pedaços de carne e ossos lacerados, em suas narrações pessoais compunha uma comic-strip - feroz e crua - da rudeza sertaneja nordestina tomada nos extremos de vida e morte, de paixão e violência, de sexo e carnificina".

Daisy Valle Machado Peccinini de Alvarado

ALVARADO, Daisy Valle Machado Peccinini. Figurações no Brasil anos 60: neofigurações fantásticas e neo-surrealismo, novo realismo e nova objetividade. São Paulo: Itaú Cultural: Edusp, 1999. p. 120-121.

"Nossa indagação, portanto, volta-se para o lugar histórico de Dias como um dos principais elos entre três gerações fundamentais da arte brasileira: o modernismo, o neoconcretismo e os artistas dos anos 70. A obra de Dias é, assim, um nexo entre essas diferentes posições. Antes de tudo, ele foi aluno de Oswaldo Goeldi, o gravador modernista que veio a ser visto por muitos como o padrão ético do artista brasileiro. A melancolia de Goeldi corresponderia ao que se considera como aridez na obra de Dias, que de seu mestre herdou a capacidade de equilibrar um pathos denso e o rigor gráfico. Se o modernismo buscou definir um eu brasileiro, o neoconcretismo recorreu à teoria da Gestalt para investigar a percepção fenomenológica. Os processos de subjetivação , explorados por Lygia Clark, acabariam abrangendo a fantasmática, enquanto a obra de Oiticica se fundamentou no 'sujeito marginal'. Deste ângulo, Dias foi capaz de deslocar a crise do sujeito para o sujeito linguístico e para o artista, já não só como criador de linguagem, mas em seu papel político de produtor.
Antonio Dias é, ainda, o nexo principal entre os neoconcretistas e os artistas dos anos 70: entre Hélio Oiticica e Cildo Meireles, Lygia Clark e Tunga, os não-objetos e Waltércio Caldas, não se distanciando de Ivens Machado e Iole de Freitas, ou mesmo dos que atuavam nos anos 60 ao lado de Cildo, como Barrio, Raimundo Collares e Antonio Manuel. Dias tempera a presença da palavra entre a arte conceitual e a tradição da poesia concreta. É encontrado elaborando sobre a fenomenologia da percepção e a recuperação traumática do sujeito. Responde à violência através da politização e do despojamento de seus materiais. (...)
Para Antonio Dias, a arte é prática social, abrangendo sua produção e circulação como mercadoria, e a crítica social do processo de institucionalização, como na série The Illustration of Art (1971-78). O incorformismo político encontra seu diagrama na reavaliação crítica do sentido da própria forma, portanto da linguagem enquanto campo social. São signos da resistência e de uma produção que recusa os parâmetros idealistas da mera 'arte engajada'. a descoberta de The Annotated Alice (1960), de Martin Gadner, assinalou um 'corte epistemológico' para o olhar de Dias. 'Minhas leituras não são propriamente de economia: lógica simbólica, matemática, ciências, coisas que me fazem imaginar situações plásticas (...). O que me marcou muito', - prossegue o artista, 'foi um artigo de Robert Smithson. Era interessante a questão dos sites e non-sites. Pegava mapas de não-lugares de Lewis Carrol'. Para redefinir o estatuto do objeto, Dias joga xadrez com Duchamp por intermédio de Alice".

Paulo Herkenhoff

DIAS, Antonio. Antonio Dias. São Paulo: Cosac & Naify, 1999. p. 27 e 30.


Faça Você Mesmo: Território Liberdade, 1968

Titanium
400 x 600 cm
Coleção: Daros-Latinamerica
Foto: The National Museum of Modern Art, Tokyo, 1968






Madeira pintada, 10 peças
30 x 30 cm
Coleção Particular
Foto: Vicente de Mello





CoHab, 2002 Terracota
8 x 14 x 20 cm
Coleção Particular
Foto: Francisco Baccaro



http://www.antoniodias.com/

http://www.pitoresco.com.br/brasil/dias/dias.htm

http://www.mercedesviegas.com.br/adias14.htm

http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=556

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